Corpo

Eu lentamente me afogo e sinto meu corpo esfriar. Sou isso que paralisado desbota e perde a cor.

Sou comprida lágrima que nunca termina de correr o rosto.

Esse rosto é tão longo, tem tantas tristezas pra chorar.

Esse rosto é tão pequeno que não cabe um sorriso.

Esse rosto é tão frio, será que ainda estou vivo?

Esse rosto é tão cinza, tão endurecido. É mesmo um rosto ou é concreto?

Elevo minhas mãos ao rosto e nada sinto, é pesar demais pra minhas mãos segurarem.

Vento, por favor, carrega um pouquinho? Ele não quer carregar.

As mãos pesam a ponto de encostar no corpo que se enrosca, que abaixa, senta e abraça as pernas. É peso demais pra todo corpo aguentar.

Mundo, carrega um pouquinho? Ele não quer carregar.

O corpo tomba e o coração quase quieto tenta segurar o corpo. É muita dor para um coração sozinho aguentar.

Silêncio. Já não há mais vida...

Em seus braços, Deus me irá segurar.

Daiane Guedes

O que sou?

Às vezes faço de você meu diário e volto a ser adolescente.

Posso contar pra você meus segredos?

Posso por um minuto me facetar de silêncio e experimentar o sossego?

Posso me despir e experimentar o desamparo, será que você me empresta seu corpo para que eu sinta de outra maneira?

Eu sou gota quando seco e sou a imensidão azul quando choro.

Não salgo, não adoço, não sou medida.

E quando venta? Eu me espalho.

Não sou disco, sou coletânea, exposta ou guardada.

Nem som, nem ruído, nem silencio.

O que sou?

Daiane Guedes

Sozinho

"Me deixa escrever sobre tua pele um poema?

Prometo respeitar cada curva, cada desenho seu.

Enquanto eu escrevo, nossa história se refaz como quem borda sobre o tecido o seu próprio nome. Como quem diz: "eu sou teu".

Como quem se aprisiona por livre espontâneo desejo.

Como anel que teima em não sair do dedo.

Me deixa te contar mais uma vez a história de nós dois antes que eu seja um de novo?

Antes que amanheça e só exista o poema, sem corpo, sem desejo, sem anel, sem dois...

Apenas eu".

Daiane Guedes

Crescer?

"Crescer se refere mais a como você lida com o mundo do que quantas velas tinham em cima de seu bolo no ultimo aniversário.

Tem muito mais a ver com como você interpreta e é capaz de fazer relações do que quão "maduras" e "adultas" parecem suas atitudes.

É questão de um tempo que não existe em calendários e relógios de parede.

É um tempo que impulsiona, vai e volta e te obriga a reler o mesmo texto várias vezes, te obriga a contar a mesma história toda vez que se depara com a faísca que a acende. Não num movimento nostálgico, mas num movimento que proporciona questionamentos ligados ao momento presente.

Crescimento não se mede em centímetros, em quanto caiu na sua conta corrente no dia 3 de cada mês. Tem a haver com que encontros e experiências você teve e que sentido foi dado a cada uma delas.

Crescer é mais do que calçar sapatos maiores para evitar sujá-los, é percorrer muitos caminhos sejam eles branquinhos ou empoeirados".

Daiane Guedes

Artista.

"Pintei um quadro, meu amor. Fiz uma arte mórbida.

Costurei um vestido que me veste a alma.

Perdi meus anéis, que bom que não sou Saturno!

Adoeci de amor e me afoguei nos meus sonhos.

Descobri o que é ser poeta, mas não aderi à moda.

Comprei teu discurso só para rasgá-lo e jogá-lo fora.

Amanheci com o sol, mas não quis partir ao ver a lua.

Preferi cultivar minhas flores à comprá-las já mortas.

Confesso que meu jardim é bem mais bonito agora e que depois que virei artista mais nada me importa".

Daiane Guedes

A caixa.

Ao abrir a caixa nos deparamos com o tudo e o nada. Uma caixa, alguns elementos e nenhuma conexão. Dar vida aquilo, naquele momento, seria atravessar aquela simples caixa de papel com histórias, conceitos, experiências e construir algo novo, algo que expressasse a potência daquele momento. Era tudo tão simples e ao mesmo tempo tão complexo que resolvemos fazer a nós mesmos. Um indivíduo que expressasse aos olhos de todos, de forma clara, caricata, como somos compostos, de que realmente somos feitos.

Sua cabeça composta de muitas outras evidenciava as inúmeras vozes, a polifonia como cita Bakhtin, que nós ouvimos, respondemos e assim, compomos o nosso discurso. Seu corpo, um texto. Um livro que nenhum saber deixou de escrever; um corpo atravessado pela medicina, pela moda, pela mídia, pela própria psicologia. Um corpo materialmente unificado, mas pelos discursos inteiramente repartido.

Sua boca, a parte mais surpreendente, uma pilha. Ou o que podemos de maneira mais complexa chamar de potência de vida, de criação. Um corpo que não é somente linha dura, instituído, ditadura! é um corpo que faz emergir linha de fuga, produz coisas novas. É um corpo que assim como a pilha pode fazer acender luzes e dar visibilidade aquilo que por muitas vezes passa despercebido, vira mera paisagem esquecida.

E, por fim, esse individuo meio corpo, meio mercado, meio homem, meio objeto, meio produto, meio potência encontra-se preso, tal como marionete, a uma lógica capitalística que não cessa em agregar as novas descobertas em seu corpo. Uma marionete enganada com uma falsa ideia de liberdade que lhe acomete toda vez que sobe no palco da vida.

Daiane Guedes

Obs: Produzi esse texto como devolução de uma aula/vivência de Psicologia Social II

"Vou lavar meus sapatos e tirar deles todas as lembranças de onde estive. Os quero brancos, assim como estou hoje!"

Daiane Guedes

S2 Entre S2

Aprendi a amar da maneira mais louca possível:

Com liberdade! Sem pausas, sem ritmo... No cotidiano!

Aprendi que não se ama, mas se faz alguém ser amado.

Nessa estreita diferença aprendi como é mais fácil esse modo de amar.

É calçar alguém do signo "amado". Estritamente conjugado e vivido.

E reafirmo que não se trata simplesmente de amar... amar como se acha melhor.

Não. É amar como espera o outro, é viver intensamente a descoberta de que não se sabe genuinamente amar... mas se aprende com esse alguém a quem deseja-se fazer amado.

Não é egoísta, não é amor "em-si", é amor "entre".

Daiane Guedes

Por extenso...

"Encontra a si mesmo e estabelece esta conversa.

Encontra aquilo que foi perdido e faz teu elo.

Liga tua alma ao teu corpo e teu corpo à tua história.

Faz brotar sentimento entre teus pés e deixa que eles guiem todo o resto.

Enquanto é cedo, colhe teus lírios e distribui em cada porta.

Beija cada mão e entrega teu sentido.

Espalha o que tu és e, assim, viva por extenso".

Daiane Guedes

Catarseando...

A gente passa a vida inteira para tomar algumas decisões. Enquanto outras ocorrem de forma tão repentina.

Algumas decisões doem e criam marcas profundas, outras são tão sutis que nos acalentam a alma. Algumas decisões são simples: perdoar, esquecer... Outras são perigosas e difíceis: aceitar, começar, planejar!

Passei um bom tempo me perguntando sobre as decisões que eu devia tomar e durante muito anos posterguei. Chorei por não me responsabilizar por algumas e sorri quando cada uma aconteceu.

E assim, aquilo que pareceu ser difícil de dizer e fazer, com os olhos de hoje, foram uma aventura que me jogou e me levou para lugares que jamais imaginei estar e ser.

Aprendi que não se pode esperar que as coisas aconteçam como mágica e que não se pode lamentar quando acontecem se você não quis interferir no andamento.

Aprendi a deixar minhas roupas no varal para secar por mais tempo para sequer ficarem com cheiro de umidade.

Aprendi que se é pra viver, que seja intenso; e que se é pra decidir, que seja de uma vez só!

Daiane Guedes

Com o tempo...

"Nada é mais desestabilizador do que conhecer a realidade dos fatos.

Perceber que nenhum erro foi cometido à esmo e que a vida não deixa de acontecer porque algo nela parou, acabou ou aconteceu.

Tudo com tempo parece mais difícil, mas também mais saboroso. Porém nada é tão saboroso quanto saber a hora de deliciar-se.

Na juventude, essa hora não existe. Prazeroso é saborear tudo em todo os momentos. Com o tempo, o sabor se esvai e o que o fica é a nostálgica vontade de reviver.

Amadurecemos e compreendemos que saborear tudo ao mesmo tempo faz com que determinados sabores sejam ocultados. Misturar faz com que surjam novos gostos que omitem o peculiar sabor das partes.

Com a idade, passamos a levar em conta aquela teoria que o todo é muito mais do que a soma das partes. E que cada parte sozinha tem um significado, que junto já não é o mesmo.

Com isso percebo que não se trata de, com o tempo, dar preferência à parte ao invés do todo. Mais do que isso, se trata apenas de saborear não mais de uma só maneira!"

Daiane Guedes